Os sonhos nossos de cada dia.
Weslei Odair Orlandi
Fala-se
muito sobre sonhos, mas sabe-se pouco sobre eles. Sabemos, por exemplo, que sonhar
é bom – mesmo que às vezes acordemos aos gritos, molhados de suor e apavorados
por causa deles. Mas não sabemos ao certo quem são e nem de onde vêm. Quem
sonha recorda momentos que não deveriam ter acabado e revê entes queridos que
já não habitam mais o mundo dos vivos. Os sonhos são bem vindos porque levam o
sonhador a patamares de vida e realização doutra sorte impraticáveis. Quem
sonha pode, ainda que por alguns minutos, sentir-se bonito, alto, magro, rico,
popular; nos sonhos cantamos afinados, discursamos e arrancamos aplausos. Nos
sonhos nos emocionamos e experimentamos sensações de prazer inauditas. Fernando
Pessoa estava certo quando afirmou que “matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar
a nossa alma [e que] o sonho é o que temos de realmente nosso, de
impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso”.
Arrisco
ainda a dizer que os sonhos são um dos poucos acontecimentos da vida que
permitem a todos os mesmos privilégios sem cobrar nada por eles. Durante os
sonhos só há uma situação que diferencia sonhadores pobres de sonhadores ricos:
o quarto, a cama e o travesseiro sobre o qual repousam suas fábricas imaginativas.
Quando
criança sonhei com doces, aventuras, travessuras, amores, viagens, mansões com belíssimos
cômodos e com muitas outras coisas que já nas primeiras horas do dia seguinte
não era capaz de lembrar. Hoje, mesmo dormindo tarde e levantando cedo,
continuo sonhando. Ainda sonho os sonhos de menino – às vezes sonho que ainda
sou menino -, mas já não me impressiono ou sonho acordado com os sonhos que
sonhei dormindo. Meus sonhos agora são mais densos, sisudos, complexos e
retrospectivos (não que eu tenha deixado de sonhar com o futuro). Na verdade,
de uns anos para cá, passei a priorizar outros sonhos. Daqueles que você sonha
acordado. Sabe como é. Sonho agora com entregar um diploma nas mãos de meus
filhos (já que não tenho mais tanto “tempo” (leia-se: dinheiro) para colocá-los
em minhas próprias mãos), com ter minha casa própria, com ter uma poupança
(ainda que não muito gorda), com poder trabalhar sem dores nas costas e, quem
sabe, chegar à velhice, conhecer meus netos, poder ajudar amigos e estranhos;
sonho também em poder deixar aos filhos e netos algo com que possam levar a
vida com menos dificuldades que eu.
Sonhos
assim parecem tolos e irrealizáveis. Tudo bem. Eu sei que muitos sonhos são
neblina e que no máximo deixarão algumas gotículas quase que microscópicas nas
superfícies que tocarem. Mas não vejo porque deveria parar de sonhar assim só
por causa das impossibilidades. Vejo nos sonhos, se não uma semente fecunda, ao
menos um estimulante que, forte, abundante, decidido, me faz levantar a cabeça,
reconduzir os ombros pensos ao seu devido lugar e avançar alguns passos mais.
O
mais forte e inegável disso tudo é que, nos sonhos não vejo apenas ladeiras
perigosas e ameaçadoras. Neles sinto-me forte outra vez, e nesse instante quase
celestial, desenvolto, sinto que os meus portentosos e tantálicos desejos são,
ainda que metaforicamente, tangíveis e estranhamente possíveis. Não tenho a
ilusão de que muita coisa mude por causa dos meus onirismos, mas mesmo assim
deixo aqui meu conselho quase que delirante: sonhem; sonhem dormindo; sonhem
acordados. Afinal, é sonhando que ricos, pobres, negros e brancos, extasiados e
embevecidos, receberão alegria, energia e esperança; estes sim, a verdadeira
porção nossa de cada dia.
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