Cegueira branca


Weslei Odair Orlandi

Esta semana chega aos cinemas do Brasil a versão cinematográfica do livro “Ensaio sobre a cegueira”, escrito pelo Nobel de literatura José Saramago. A história baseia-se numa tal “cegueira branca” que atinge primeiro os moradores de uma cidade não identificada e que, lentamente, se espalha país afora. Aos poucos, todos acabam cegos e reduzidos à obscuridade, a meros seres lutando por seus instintos.
Desde que tomei esse livro em minhas mãos pela primeira vez e o li, lembrei-me de Laodicéia, a sétima igreja mencionada por João no Apocalipse. Infelizmente não sabemos se essa igreja usou o colírio prescrito por Jesus para recobrar a sua visão, entretanto sabemos com certeza que ela estava sofrendo de uma grave patologia comunitária – um tipo (infelizmente) não muito raro de cegueira coletiva.
Apesar de ser uma igreja importante na Ásia, os cristãos de Laodicéia estavam enfermos e nem se davam conta disso. Faltava-lhes a capacidade de perceber com clareza o seu verdadeiro estado de vida espiritual. Dizendo-se ricos, não passavam de miseráveis, pobres, cegos e nus. Não eram mais capazes de discernir coisa alguma. Como os moradores da cidade fictícia do livro de Saramago, os crentes de Laodicéia também haviam sido infectados por uma cegueira branca; seus olhos espirituais estavam cobertos por uma superfície leitosa, o que não lhes permitia ver nada mais que um clarão indecifrável.
Sinceramente eu espero que os esforços de Jesus Cristo em restaurar a visão daqueles irmãos tenham obtido êxito, pois desconfio que a igreja brasileira também esteja sob os efeitos dessa epidemia destruidora – os indícios são realmente fortes.
Pense comigo nos sintomas apontados pelo Médico Celestial daquela igreja e veja se não tenho razão em estar alerta.
O primeiro sintoma apontado como característico daquela doença foi a presença de uma gritante indiferença na vida deles – “sei que você não é frio nem quente”. Esse é o mal que se alastra Brasil afora. Um número cada vez maior de cristãos acredita que não fazer nada de mal é o suficiente para Deus, e assim “vivem” suas vidas numa terrível atmosfera de marasmo espiritual. Estão errados. Deus não faz vista grossa à indiferença. Ele nos quer vibrantes, participantes, ávidos por um crescimento cada vez mais intenso na sua graça e no conhecimento de Seu Filho Jesus. Alfredo dos Santos Oliva, professor no Sul-Americano de Londrina – Pr, fez a seguinte observação: “Podemos passar um verniz de crente em nossas vidas e até convencer as pessoas de que somos supercrentes, mas não vamos conseguir enganar a Deus, que tudo vê e tudo conhece”.
Outro sintoma percebido por Jesus na vida dos Laodicenses foi o da arrogância espiritual – “estou rico e não preciso de nada”. Haviam se esquecido de um ponto fundamental da fé cristã: humildade. George Ladd lembra-nos de que “se gabavam de uma acomodação espiritual pautada no esforço próprio; uma propensão materialista e de aparência havia conseguido enganar os seus corações”. Para surpresa geral de todos, os Laodicenses haviam perdido o foco, dando ênfase exagerada a um modelo de cristianismo nada ortodoxo quanto aos ideais de vida social, comunitária e fraterna; estavam mais preocupados com a aparência do que com a essência da fé cristã.
O quadro geral era caótico e uma intervenção medicamentosa agressiva era urgente, urgentíssima. O tratamento deveria incluir desde um retorno imediato ao primeiro amor até à compra de “ouro refinado no fogo, roupas brancas para vestir-se e colírio para ungir os olhos e poder enxergar”. Não seguissem essa prescrição e o fim seria trágico.
Por isso persevero na minha insistência. Desconfio cada vez mais que o mal de Laodicéia ainda não foi totalmente erradicado da Igreja hodierna. Acredito piamente que precisamos aceitar resignados o diagnóstico duro de Jesus e nos lançarmos de novo no pó do arrependimento para que possamos ser incendiados pelo fogo do Espírito Santo, tendo assim não mais o “brilho branco da cegueira”, mas o resplendor faustoso da verdadeira riqueza espiritual que são a presença de vestimentas alvejadas e do gotejar contínuo do colírio do discernimento e da visão espiritual. Uma igreja que canta, aplaude, faz manifestações pacíficas em defesa da liberdade de expressão, lota estádios e avenidas, mas que não tem ouvidos para ouvir e nem olhos para enxergar jamais poderá ser o tão necessário farol que brilha à noite

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