O cadafalso



"O cadafalso, com efeito, quando está lá, preparado e aprumado, tem qualquer coisa que alucina. Podemos ter certa indiferença em relação à pena de morte, podemos não nos pronunciar, dizer sim ou não, enquanto não virmos com os próprios olhos uma guilhotina; mas, se encontrarmos uma, o abalo é violento, temos de nos decidir a favor ou contra. Uns admiram, como De Maistre, outros maldizem como Beccaria. A guilhotina é a concreção da lei, chama-se vingança, não é neutra nem permite que se fique neutro. Quem a vê estremece com o mais misterioso dos estremecimentos. Todas as questões sociais levantam em torno desse cutelo seu ponto de interrogação. O cadafalso é uma visão. O cadafalso não é uma viga de madeira, o cadafalso não é uma máquina, o cadafalso não é um mecanismo inerte feito de madeira, ferro e cordas. Parece ser uma espécie de criatura que possui alguma sombria iniciativa; parece que essa viga vê, que essa máquina ouve, que esse mecanismo compreende, que essa madeira, esse ferro e essas cordas têm querer. No devaneio medonho em que sua presença joga a alma, o cadafalso surge, terrível, e envolvido com o que faz. O cadafalso é o cúmplice do algoz; ele devora; ele ingere a carne, ele bebe sangue. O cadafalso é uma espécie de monstro fabricado pelo juíz e pelo carpinteiro, um espectro que parece viver de um tipo de vida espantosa, feita de todas as mortes que gerou".


(Victor Hugo em "Os miseráveis" - vl. 1, pág. 40-41 - Ed. Martin Claret)

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