A bela adormecida


Weslei Odair Orlandi

Já faz algum tempo aprendi apreciar alegorias bem elaboradas por escritores como C.S. Lewis, Tolkien e porque não citar também o brasileiríssimo Monteiro Lobato dentre outros. As analogias produzidas nos redutos de fantasia idealizados por esses grandes escritores ajudam-nos a redefinir valores, acrescentar riqueza, beleza e dimensão ao viver nosso de cada dia. Hoje, por exemplo, lembrei-me do francês Charles Perrault e sua bela adormecida. Fiquei aturdido quando percebi que essa fábula há tanto tempo incutida no imaginário infantil é na verdade um retrato quase que cruel desse momento hibernoso que a Igreja vive como um todo.
Aquela que deveria entrar no palco da história como detentora inexorável do papel de “igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e irrepreensível”, tem surpreendido a muitos dos seus expectadores com o papel de uma bela adormecida à espera de um príncipe que lhe devolva a vida.
Embora a bela adormecida, não tenha estado morta, mas apenas profundamente embriagada por um sono secular, não fosse a chegada do jovem príncipe montado em seu cavalo branco e ela estaria bela e adormecida até hoje no mundo das fantasias.
Bela e adormecida. Eis a definição quase que exata do momento atual. É assim que vejo a magnífica Igreja do século XXI – peçamos vênia às exceções. A Igreja tornou-se bela ao mesmo tempo em que paulatinamente foi ficando sonolenta. Aos olhares menos atentos ela continua sorridente, corada, quase que encantadora, mas olhem-na de perto e verão que dorme o sono dos inocentes. Investimentos astronômicos de sete e dez milhões de dólares como é o caso de alguns dos belos mega-templos americanos – ou para ser mais brasileiro, de dez milhões de reais como é um caso recente sobre o qual tomei nota – impõem-se cada vez com mais freqüência à paisagem urbana das grandes cidades. Belos aparatos litúrgicos, bandas sofisticadas e coreografias minuciosamente ensaiadas ajudam a dar o toque final. Quase engana. Mas não. Não está tudo bem. A bela está dormindo. Enquanto ostenta sua envergadura gospel, seus bíceps midiáticos e seus troféus de reconhecimento público, deixa de ser ofensiva contra o pecado e toda espécie de invenções teológicas que os “showmen” da televisão nos obrigam deglutir.
Se você não consegue perceber isso que estou denunciando e chega a pensar que posso estar sendo ousado ou até mesmo ofensivo, cuidado, você pode estar se tornando mais uma vítima do sistema. Prefiro crer no provérbio bíblico de que fiéis são as feridas feitas por quem ama. Aliás, vale mais que um beijo fingido dado por alguém, acrescentou o sábio Salomão.
Minha proposta, porém, não é rotular o povo de Deus no Brasil de apáticos ou letárgicos. Pelo contrário, embora a igreja esteja adormecida, continua bela. Importo-me com ela, amo-a e creio em sua força colossal. Meu objetivo é na verdade exaltar a figura do humilde servo sofredor que por não desistir da sua missão de achar sua noiva, enfrentou o poder da maldição comprando com seu próprio sangue, e para Deus, a vida de sua amada. Este que não é um personagem do mundo da fantasia, mas o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, quer na verdade nos advertir sobre este tempo do fim. O sono que se abateria implacável sobre sua noiva nos dias finais ocupou por várias vezes seus sermões e ensinamentos. Vê-se aí a sua preocupação e relevância do tema apresentado. A noiva do Cordeiro não foi idealizada e gerada na cruz para viver sob o efeito devastador do sono espiritual, mas para manter-se sóbria, alerta e vigilante. Nos contos infantis a chegada de um príncipe sempre trouxe o final feliz que todos esperam. No retorno de Cristo à terra muitos estarão dormindo e, dormindo permanecerão. Para os que estiverem acordados o final será apoteótico e inigualável; para outros, porém, a notícia será tão cruel quanto o mais devastador dos pesadelos da noite. Perrault deu à história da princesa Aurora o final que pretendeu sua pena. Você e eu também seremos os responsáveis pelo fim que desejamos. Para aqueles que pretendem unir-se às virgens prudentes que embora cansadas pela espera não se deixaram vencer pelo sono e despreparo vale rememorar o brado de Paulo aos Efésios: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará”, Ef 5:14.
A lembrança de que podemos nos parecer com os contos infantis me faz pensar na necessidade urgente urgentíssima que temos de buscar alternativas para alterar a realidade que vivemos. Creio que um bom começo será ir ao Getsêmani para aprender orar com Cristo. Na pior noite de sua vida, enquanto seus discípulos consumidos de tristeza dormiram, ele, posto em agonia orou mais intensamente.

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