Comer peixe não basta.


Weslei Odair Orlandi



Como sempre se faz depois da extravagância carnavalesca agora chegou a vez da contrição ritualística; está aberta a temporada do sagrado preceito da quaresma. Comer peixe durante quarenta dias é a palavra de ordem a partir do encerramento oficial da festa mais popular do país. Os dias de carnaval são sem limites. Nesse período só é proibido proibir; afora isso tudo pode. Palavras como profano, sensual, luxuria e lascívia de repente entram em efervescência nos jornais escritos e falados com tanta naturalidade que até os ossos ressequidos dos profetas são sacudidos no pó da terra. É a carne em seu estado mais deplorável... Mas agora não. Passados os dias da carne, vêm agora os dias do peixe. Está proibido o uso da carne – a do boi, naturalmente. A outra – essa que Paulo classifica como inimiga de Deus – deverá apenas fingir que foi sufocada. Pelo menos por alguns quarenta dias. Depois a gente vê o que faz.
Esse é o jeito “cristão” do povo brasileiro. É assim que nosso país aprendeu a lidar com seus pecados. Um dia dedicam juras de amor à carne, no outro em tom piedoso fazem penitências a Deus. Como se comer peixe bastasse para expiar tantos males, os mercados e peixarias agora têm a chance de mais alguns dias de bons negócios.
Comer peixe não basta. O Brasil precisa experimentar uma outra receita expiatória. Esse jeito tupiniquim de botar pano quente encima de tudo; essa habilidade surreal de transformar crimes, pecados e corrupções em pizza não cola quando o assunto migra da horizontal para a vertical. Ao reduzir o espaço da verdade bíblica aos templos, mosteiros, religiosos e beatas o Brasil sacramentou a morte da ética e da moral. Os modernos “showmen” – sejam eles padres ou pastores – avessos à sã doutrina são capazes de mobilizar as massas e de reunir milhares de fãs por toda parte, mas não a mente de seus admiradores. De fato, o evangelho conhecido país afora em várias vertentes católicas e evangélicas está muito distante daquele registrado nas páginas do Novo Testamento.
O Brasil precisa de contrição, penitência e reflexão, é verdade. Enquanto nosso presidente desfilava nos camarotes da Sapucaí empunhando como se fosse um troféu os famosos preservativos a favor da vida, Deus no céu certamente vertia lágrimas por ver tantas almas perecendo sem luz. Agora, feito mais um estrago não adianta correr ao supermercado para comprar o peixe penitencial.
À semelhança de tantos outros anos o mau cheiro da carnificina moral e espiritual vai continuar se proliferando e ascendendo aos céus. Só um arrependimento real, extensivo e intensivo como o de Nínive pode trazer de volta a esse país sua dignidade cristã há tanto tempo perdida.
Devemos ponderar com fervor o quanto de graça divina está sobre nós! Não fosse a mão de misericórdia que se estende incondicionalmente desde o Oiapoque até ao Chuí e já teríamos sido engolidos vivos. Entretanto, tudo tem limite. A graça será em breve recolhida do meio dessa brava gente brasileira. O que se deve então fazer com proficiência por esse imenso país tropical é alardear com voz retumbante que comer peixe não basta. Para uma nação em pecado a mensagem divina é única: “Se o meu povo que se chama pelo meu nome, se humilhar e orar e buscar a minha face, e se converter dos seus maus caminhos, então eu os ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados e sararei a sua terra”, 2 Crônicas 7:14. Que se saiba em todos os rincões da terra que o carnaval brasileiro não goza de simpatia divina. Ao contrário, Deus o abomina.
Ouvi um pregador de renome dizendo que essa festa cultural deveria ser ovacionada por nós brasileiros, não fosse pela forma como é explorada. Quero discordar embora sabendo que ele não vai tomar nota desse meu tímido protesto. A verdade é que, sem pedir licença, invadem nossos ouvidos com enredos provocativos e nos obrigam a virar o rosto minuto após outro, ano após ano. O carnaval nunca foi e tampouco jamais será uma expressão cultural brasileira a ser recuperada. Em tempos idos essa manifestação popular seria chamada por profetas e apóstolos de “pecado”. Esse é o grande mal da cristandade hoje: mudamos as palavras e agora elas estão nos mudando.
No fim das contas, sem um único rubro na face, o Brasil come peixe, asperge cinza sobre a cabeça, estica a vida de bois e ovelhas e, espera, apenas espera pelo sábado de aleluia. Só isso. E ainda dizem que Deus é brasileiro. Se Ele o fosse, decididamente, esse país seria outro. Quem sabe um dia Ele não seja ao menos o Deus dos brasileiros. Aí sim, teremos motivos para sorrir, dançar e cantar não a festa da carne, mas a bem-vinda festa do Espírito. Essa sim, uma expressão da cultura santa e festiva da nossa saudosa pátria celestial.

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