Questões contemporâneas
Weslei Odair Orlandi
Em cada geração, a igreja depara com questões específicas. Na década de 70, a questão da inerrância bíblica era motivo de muitas controvérsias no evangelicalismo. Na década de 80, o debate acerca do papel da mulher e da sua posição na igreja passou ocupar lugar de importância.
Nas últimas décadas foi a vez do envolvimento político da parte dos cristãos que tomou lugar ao sol. Agora, com o despertar do novo milênio, novos debates têm sido feitos e novas questões emergem das sombras. Ao meu ver, as novas tendências e debates sobre temas como células tronco, aborto, eutanásia, ecologia, homossexualismo dentre outros, embora necessárias, pecam, não por polarizarem as idéias e grupos mas por forjarem aquilo que é mais importante.
Estou convencido de que nenhuma revolução ideológica, teológica ou denominacional deve ser objeto de atenção e estudo se o seu objetivo final não for exaltar a Cristo. O grande desafio dos debates não é garantir que haverá vencedores, mas sustentar e promover o nome de Jesus e seu Reino.
Uma das contribuições mais importantes do protestantismo para a história foi a concessão de liberdade à interpretação e reinterpretação bíblica. Tal movimento, naturalmente, pressupunha riscos, como o surgimento de aventureiros e pervertedores da ortodoxia da doutrina apostólica. Foi o que aconteceu. Com a busca frenética de novos paradigmas para a igreja, a essência da fé cristã foi relegada a planos inferiores.
Nesse contexto, passamos a experimentar a ascensão de novos vocábulos e conceitos supostamente teológicos como restituição, prosperidade, nova unção, transferência, batalha espiritual ao mesmo tempo em que aqueles nitidamente bíblicos foram perdendo força e devoção. Fomos enveredados por outro evangelho. Contudo, creio que ainda podemos contar com os sete mil joelhos que não se dobraram.
Ed René Kivitz afirma no livro Outra espiritualidade o óbvio – mas que para muitos hoje, já não é tão óbvio assim: “... a essência da fé cristã é Cristo – e, acrescenta – (...) Atualmente, a necessidade que algumas igrejas têm de levar seus fiéis à terra prometida é tão ardorosa que muitos não teriam nenhum problema de aceitar fazer a peregrinação até ela mesmo que Deus não acompanhasse a caravana. Moisés pensava diferente, claro. Para aqueles, a intimidade com Deus é secundária. Para esse, sem ela não se podia sair do lugar”.
Para os aventureiros do novo milênio a conversão, por exemplo, já não está no centro das discussões. Os frutos do arrependimento já não são mais esperados. Convertido não é mais aquele que se tornou nova criatura, mas aquele que está disposto a qualquer sacrifício para ver a tão sonhada “bênção”.
A qualidade da vida cristã já não é balizada pela formação de Cristo em nós. Os patamares de excelência espiritual já não são mais os velhos princípios morais dos tempos apostólicos. O bom cristão já não é mais aquele que reflete Cristo, mas sim aquele que prospera e cujos negócios tornam-se lucrativos.
A igreja, outrora lugar de comunhão de pessoas ao redor de Cristo, aos poucos foi se tornando balcão de negócios. Aqueles que outrora eram vistos como “irmãos”, agora não passam de empresários com potencial de mercado.
A missão da igreja, que há bem pouco tempo era fazer discípulos e prepará-los para o arrebatamento, foi perdendo sua ênfase evangelística e seu ímpeto de olhar para cima à espera de redenção. O testemunho da fé no Cristo que salva deu lugar à fé no Cristo que, se manipulado corretamente, é capaz de maravilhas. Rubem Alves escreveu em Religião e repressão: “O protestantismo clássico, como o catolicismo, se aproximava de uma filosofia, de uma visão de mundo, do universo, da história. Nessa arquitetura de tempos e espaços havia um problema central: o destino da alma depois da morte. A teologia cristã ortodoxa se construiu, toda ela, sobre o pressuposto do inferno. Todas as suas doutrinas foram desenvolvidas e só fazem sentido tendo-se o inferno como cenário dominante. Tão importante é a idéia de inferno que Santo Tomás de Aquino afirmou que a visão do inferno faz parte da bem-aventurança de Deus e dos salvos, no céu... Os grupos “evangélicos” de hoje, ao contrário, não se preocupam com o destino da alma depois da morte. As pessoas não são mais convertidas para serem “salvas”. Elas se convertem para viver melhor esta vida. O que interessa é a vida antes da morte, neste mundo. O que se busca é a “bênção”. Deus é o poder mágico que, se corretamente manipulado, conserta os estragos que o Diabo faz na vida de cada um. Talvez essa seja a razão para o seu sucesso. Parece que hoje são poucas as pessoas que vivem em função do medo do inferno. Os horrores desta vida são mais prementes. Como disse Dostoievski, “os homens não estão atrás de Deus. Estão atrás do milagre”. Deus é o poder que faz a vontade dos homens, se as fórmulas mágicas forem usadas segundo a receita”.
Mudamos os conceitos. Mudamos as palavras. E agora, elas estão nos mudando. Li, recentemente, a obra de C.S. Lewis, Cartas de um diabo a seu aprendiz. A certa altura o demônio velho diz a seu sobrinho que uma das maneiras mais eficientes de desacreditar uma virtude é, em primeiro lugar, macular o seu nome, ou seja, introduzir associações que sutilmente alterem os sentimentos e percepções das pessoas, de modo que a palavra não mais signifique aquilo para que foi usada. O diabo é esperto. Antes, queríamos ir para o céu. Agora, queremos que o céu venha até nós.
Deus tenha misericórdia de nós. De todos nós. Ou resgatamos a marca de Cristo em nós como a reforma protestante que passou a brandir a verdade em todas as direções, ou assistiremos o naufrágio da igreja brasileira em bem pouco tempo.
Já vai longe o tempo em que as igrejas eram firmes no essencial e, às vezes, inflexíveis até no secundário. Agora, vale tudo, menos denunciar o pecado. Há uma espécie de conluio entre líderes e ouvintes. Enquanto eles falam de coisas boas os outros fingem acreditar. Eles não incomodam ninguém e os demais fingem não saber de seus erros, em alguns casos repugnantes.
A lista poderia seguir, mas já bastam esses exemplos de cristãos modernos e auditórios de entretenimento. Precisamos construir uma comunidade de discípulos que não queiram saber quem foi para o “paredão”, mas que sejam resolvidos naquilo que tomam como regra de fé e prática.
Só Deus sabe quem é quem. Quando falamos de questões contemporâneas, estamos falando da necessidade de uma igreja relevante. Que seja simples, sem ser simplista. Que seja ortodoxa sem ser legalista. Que seja firme, sem ser intolerante. Uma coisa é ser joio, outra coisa é querer impedir que o trigo experimente sua liberdade na lavoura. Que a graça bendita de nosso amado redentor nos ensine ser contemporâneos, contextualizados, salientes, capazes de dialogar e causar impacto no mundo. Que Deus nos ajude a andar no limite, encarar a baixaria da televisão, as pretensões falsas dos chamados “apóstolos da fé”, as magias de Harry Potter sem cair em nenhuma pegadinha. Que rumemos por caminhos novos guiados pelo sopro do Espírito divino sem perder a centralidade da sã doutrina.
Em cada geração, a igreja depara com questões específicas. Na década de 70, a questão da inerrância bíblica era motivo de muitas controvérsias no evangelicalismo. Na década de 80, o debate acerca do papel da mulher e da sua posição na igreja passou ocupar lugar de importância.
Nas últimas décadas foi a vez do envolvimento político da parte dos cristãos que tomou lugar ao sol. Agora, com o despertar do novo milênio, novos debates têm sido feitos e novas questões emergem das sombras. Ao meu ver, as novas tendências e debates sobre temas como células tronco, aborto, eutanásia, ecologia, homossexualismo dentre outros, embora necessárias, pecam, não por polarizarem as idéias e grupos mas por forjarem aquilo que é mais importante.
Estou convencido de que nenhuma revolução ideológica, teológica ou denominacional deve ser objeto de atenção e estudo se o seu objetivo final não for exaltar a Cristo. O grande desafio dos debates não é garantir que haverá vencedores, mas sustentar e promover o nome de Jesus e seu Reino.
Uma das contribuições mais importantes do protestantismo para a história foi a concessão de liberdade à interpretação e reinterpretação bíblica. Tal movimento, naturalmente, pressupunha riscos, como o surgimento de aventureiros e pervertedores da ortodoxia da doutrina apostólica. Foi o que aconteceu. Com a busca frenética de novos paradigmas para a igreja, a essência da fé cristã foi relegada a planos inferiores.
Nesse contexto, passamos a experimentar a ascensão de novos vocábulos e conceitos supostamente teológicos como restituição, prosperidade, nova unção, transferência, batalha espiritual ao mesmo tempo em que aqueles nitidamente bíblicos foram perdendo força e devoção. Fomos enveredados por outro evangelho. Contudo, creio que ainda podemos contar com os sete mil joelhos que não se dobraram.
Ed René Kivitz afirma no livro Outra espiritualidade o óbvio – mas que para muitos hoje, já não é tão óbvio assim: “... a essência da fé cristã é Cristo – e, acrescenta – (...) Atualmente, a necessidade que algumas igrejas têm de levar seus fiéis à terra prometida é tão ardorosa que muitos não teriam nenhum problema de aceitar fazer a peregrinação até ela mesmo que Deus não acompanhasse a caravana. Moisés pensava diferente, claro. Para aqueles, a intimidade com Deus é secundária. Para esse, sem ela não se podia sair do lugar”.
Para os aventureiros do novo milênio a conversão, por exemplo, já não está no centro das discussões. Os frutos do arrependimento já não são mais esperados. Convertido não é mais aquele que se tornou nova criatura, mas aquele que está disposto a qualquer sacrifício para ver a tão sonhada “bênção”.
A qualidade da vida cristã já não é balizada pela formação de Cristo em nós. Os patamares de excelência espiritual já não são mais os velhos princípios morais dos tempos apostólicos. O bom cristão já não é mais aquele que reflete Cristo, mas sim aquele que prospera e cujos negócios tornam-se lucrativos.
A igreja, outrora lugar de comunhão de pessoas ao redor de Cristo, aos poucos foi se tornando balcão de negócios. Aqueles que outrora eram vistos como “irmãos”, agora não passam de empresários com potencial de mercado.
A missão da igreja, que há bem pouco tempo era fazer discípulos e prepará-los para o arrebatamento, foi perdendo sua ênfase evangelística e seu ímpeto de olhar para cima à espera de redenção. O testemunho da fé no Cristo que salva deu lugar à fé no Cristo que, se manipulado corretamente, é capaz de maravilhas. Rubem Alves escreveu em Religião e repressão: “O protestantismo clássico, como o catolicismo, se aproximava de uma filosofia, de uma visão de mundo, do universo, da história. Nessa arquitetura de tempos e espaços havia um problema central: o destino da alma depois da morte. A teologia cristã ortodoxa se construiu, toda ela, sobre o pressuposto do inferno. Todas as suas doutrinas foram desenvolvidas e só fazem sentido tendo-se o inferno como cenário dominante. Tão importante é a idéia de inferno que Santo Tomás de Aquino afirmou que a visão do inferno faz parte da bem-aventurança de Deus e dos salvos, no céu... Os grupos “evangélicos” de hoje, ao contrário, não se preocupam com o destino da alma depois da morte. As pessoas não são mais convertidas para serem “salvas”. Elas se convertem para viver melhor esta vida. O que interessa é a vida antes da morte, neste mundo. O que se busca é a “bênção”. Deus é o poder mágico que, se corretamente manipulado, conserta os estragos que o Diabo faz na vida de cada um. Talvez essa seja a razão para o seu sucesso. Parece que hoje são poucas as pessoas que vivem em função do medo do inferno. Os horrores desta vida são mais prementes. Como disse Dostoievski, “os homens não estão atrás de Deus. Estão atrás do milagre”. Deus é o poder que faz a vontade dos homens, se as fórmulas mágicas forem usadas segundo a receita”.
Mudamos os conceitos. Mudamos as palavras. E agora, elas estão nos mudando. Li, recentemente, a obra de C.S. Lewis, Cartas de um diabo a seu aprendiz. A certa altura o demônio velho diz a seu sobrinho que uma das maneiras mais eficientes de desacreditar uma virtude é, em primeiro lugar, macular o seu nome, ou seja, introduzir associações que sutilmente alterem os sentimentos e percepções das pessoas, de modo que a palavra não mais signifique aquilo para que foi usada. O diabo é esperto. Antes, queríamos ir para o céu. Agora, queremos que o céu venha até nós.
Deus tenha misericórdia de nós. De todos nós. Ou resgatamos a marca de Cristo em nós como a reforma protestante que passou a brandir a verdade em todas as direções, ou assistiremos o naufrágio da igreja brasileira em bem pouco tempo.
Já vai longe o tempo em que as igrejas eram firmes no essencial e, às vezes, inflexíveis até no secundário. Agora, vale tudo, menos denunciar o pecado. Há uma espécie de conluio entre líderes e ouvintes. Enquanto eles falam de coisas boas os outros fingem acreditar. Eles não incomodam ninguém e os demais fingem não saber de seus erros, em alguns casos repugnantes.
A lista poderia seguir, mas já bastam esses exemplos de cristãos modernos e auditórios de entretenimento. Precisamos construir uma comunidade de discípulos que não queiram saber quem foi para o “paredão”, mas que sejam resolvidos naquilo que tomam como regra de fé e prática.
Só Deus sabe quem é quem. Quando falamos de questões contemporâneas, estamos falando da necessidade de uma igreja relevante. Que seja simples, sem ser simplista. Que seja ortodoxa sem ser legalista. Que seja firme, sem ser intolerante. Uma coisa é ser joio, outra coisa é querer impedir que o trigo experimente sua liberdade na lavoura. Que a graça bendita de nosso amado redentor nos ensine ser contemporâneos, contextualizados, salientes, capazes de dialogar e causar impacto no mundo. Que Deus nos ajude a andar no limite, encarar a baixaria da televisão, as pretensões falsas dos chamados “apóstolos da fé”, as magias de Harry Potter sem cair em nenhuma pegadinha. Que rumemos por caminhos novos guiados pelo sopro do Espírito divino sem perder a centralidade da sã doutrina.
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