O evangelho pirateado.


Weslei Odair Orlandi

Não são apenas os cantores, escritores e empresários que tiveram seus produtos pirateados. O evangelho de Jesus Cristo também foi forjado. Como sempre acontece no mercado negro, não pediram ao Verbo Encarnado permissão para adulterar sua mensagem. Simplesmente o fizeram. Qual é o teor de veracidade contida na mensagem pregada hoje? Preciso ir direto ao ponto: estamos experimentando uma crise sem precedentes.
Nessas horas eu volto meus olhos para a Bíblia e fico assustado com o que leio e com as previsões que ela faz. Os rumores de dias difíceis – 2 Timóteo 3:1 – como anunciado por Paulo a Timóteo estão cada vez mais altissonantes e por incrível que pareça ser é no ambiente da fé cristã que seus efeitos são mais claramente sentidos. Embora minha tese possa não estar em consonância com o pensamento de alguns eu prefiro caminhar com meus pés no chão e por isso mesmo afirmar que se a fé evangélica continuar do jeito que está, dentro de pouco tempo estaremos vivendo um cristianismo totalmente diluído por simulacros teológicos.
Os tais dias difíceis sobre os quais o apóstolo escreveu muitas vezes têm sido erroneamente interpretados. Uma leitura rápida desse texto parece nos arremeter ao comportamento dos ímpios. Ledo engano. Na verdade está falando de pessoas dentro da igreja. Os tempos difíceis não são fora da comunidade cristã, mas dentro dela.
Eu acredito (você não?) que este período de tempo predito pelo grande apóstolo da graça já está fazendo história. Basta olhar para as anomalias que a igreja enfrenta hoje.
O crescimento das massas oficialmente conhecidas como “evangélicas” e os grandes e superlotados templos que surgem a cada ano causam nos desavisados a falsa impressão de que estamos no meio de um grande avivamento. Há inclusive muitos pregadores que afirmam isto. As pessoas olham e dizem que “algo está acontecendo, pois as igrejas estão lotadas”. Essa ebulição, porém, não é privilégio das igrejas evangélicas. Há atualmente em todo o mundo habitável um fenômeno semelhante. Os mulçumanos também estão crescendo em quase todos os continentes. No Brasil, não há festa católica que não reúna milhares de pessoas. O exoterismo, o espiritismo e as seitas assumidamente satânicas também estão fervilhando. A verdade é uma só: crescimento numérico não é sinônimo de avivamento. Todo avivamento de qualidade produz quantidade, mas nem todo ajuntamento é fruto desse mover sobrenatural do Espírito. O que estamos experimentando na verdade é um crescente descrédito encabeçado por falsos pastores e profetas. A Palavra está sendo mercadejada. O misticismo e a superstição estão cada vez mais populares. A igreja está sendo secularizada e o evangelho tem se tornado em muitos casos uma lastimável “graça barata”, um termo que herdamos de Dietrich Bonhoeffer. Estamos atolados até o pescoço em “teologias” e promessas irresponsáveis.
Não devemos nos iludir com igrejas que mostram resultados ou que atraem multidões, tampouco nos deixar levar por testemunhos de pessoas que prosperam com campanhas e correntes. Sucesso financeiro não é sinal de salvação. Jó constatou em sua busca frenética por respostas que em muitos casos “a tenda dos assoladores têm descanso, e os que provocam a Deus estão seguros; nas suas mãos Deus lhes põe tudo”, Jó 12:6. Por essa razão eu repito que esses ímpetos de crescimento nem sempre apontam para uma vida cristã autêntica. Jesus advertiu: “Aparecerão falsos cristos e falsos profetas que realizarão grandes sinais e maravilhas, para se possível, enganar até os eleitos”, Mt 24:24. Noutra ocasião ele afirmou: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus”, Mt 7:21. É pelo fruto – e não pelas folhas – que se conhece a qualidade de uma árvore boa, Mt 7:15-20.
Precisamos considerar esses alertas de Cristo sem nos deixarmos iludir por aqueles que pregam “paz, paz” quando não há paz. Há em muitos ambientes religiosos um conluio, uma espécie de pacto, entre líderes e auditórios. Ainda que não verbalmente, em suas ações existe uma mensagem clara: “você não mexe conosco, e nós não mexemos com você”. “Você traz seus dízimos e ofertas e nós pregamos mensagens que coçam seus ouvidos”.
É dever nosso protestar contra esse abandono descarado da verdade. Mais do que isto, precisamos voltar ao início de tudo – à velha e saudável ortodoxia bíblica. É tempo de repensarmos o tipo de evangelho que estamos ouvindo. Que tipo de fé estamos produzindo?
Antes de prosseguir, preciso fazer uma pausa para dizer que sim, eu creio e oro (Deus o sabe) por um avivamento autêntico. Eu acredito que Deus pode e quer abençoar seu povo, contudo, sou contra alguns pseudo-evangelhos que estão sendo anunciados hoje, especialmente na mídia televisiva.
Ao meu ver, um evangelho que não ameaça o pecado não é digno de ser pregado, muito menos de ser ouvido. João Batista foi decapitado porque sua pregação denunciava os erros da multidão, inclusive os de Herodes. O evangelho autêntico não fala apenas de prosperidade, vitórias incondicionais, quebra de maldição, batalha espiritual e restituição. Ele mexe com o conforto que muitos prezam. Estude Lucas 12:49-53 e veja como Jesus resumiu os efeitos do evangelho quando explicou sua missão na terra. Na escala Richter ele seria um terremoto de grau máximo.
Se somos cristãos precisamos ser coerentes com a fé que abraçamos. Se somos sal precisamos ter sabor de sal. O que passar disso de é procedência maligna.
Um evangelho que não provoca rupturas com o passado, que não rompe as relações de afeto e compromisso com o mundo, que não suspende os vínculos com o pecado, que não provoca uma violação de contrato com o pecado, não pode ser aceito na igreja que Jesus comprou com seu próprio sangue. Cristo não veio até nós para impor um novo código de doutrinas. Ele não veio a priori para amenizar os problemas da humanidade. Ele não veio para nos ensinar sobre como melhorar de vida. A missão do Salvador foi anunciar um evangelho de denúncia contra a podridão da alma e de redenção para quem estava condenado à perdição eterna. Jesus não veio pôr remendo novo em pano velho. Ele veio fazer tudo novo. Ele veio para escrever uma nova história.
O evangelho pregado nos grandes avivamentos historicamente comprovados é aquele que nos faz olhar para o céu não à espera de que ele se instale aqui, mas à espera de que o Filho venha para nos instalar ali. A grande mensagem da Bíblia não é a de que Deus vai amenizar os tempos trabalhosos, mas sim a de que Ele vai criar novos céus e nova terra. Brevemente o Grande Arquiteto vai enrolar, como se faz com um tecido velho, esse sistema corrompido e perverso para dar lugar a um novo mundo onde justiça e paz se abraçarão.
Essa sim, será uma era apoteótica. Esta é a mensagem que eu quero pregar. Esse é o legado autêntico que Jesus nos autorizou transmitir à posteridade.

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