Quem é você?


Weslei Odair Orlandi


Se você fosse convidado a escrever hoje sua própria biografia, com quais palavras você se descreveria? Com quais argumentos você justificaria sua vida, suas ações e os seus pensamentos?
Levar as pessoas a se sentirem importantes e valiosas nessa nossa sociedade tão dominada pela tecnologia não é tarefa fácil. O mundo das máquinas nos faz sentir cada vez mais insignificantes. É como explicou Lars Wilhelmsson – um escritor muito lúcido: “Essa nossa era tecnológica nos torna mais conscientes de que somos pequenos. À medida que o mundo vai se tornando cada vez mais sofisticado, sentimo-nos mais e mais insignificantes. E nossa suspeita de que não somos mais apreciados pelas nossas próprias qualidades confirma-se a cada dia que passa, pela maneira de viver do século XXI, que é tão impessoal”.
Refletindo sobre isso, alguém concluiu ainda que “para os médicos eu sou apenas um paciente. Para os advogados sou um cliente. Para os redatores de jornal, um assinante. Para os varejistas, um comprador. Para os professores, um aluno. Para os industriais, um negociante. Para os políticos, um eleitor. Para os banqueiros, um investidor ou cliente. Para os promotores de eventos esportivos, um torcedor. Para as companhias de aviação, um passageiro. Para os pastores, um membro de igreja. Para os militares, um número ou um soldado”.
Não admira que às vezes nos sintamos como subumanos. Estamos sendo tratados mais como coisas do que como seres humanos. “Não somos mais uma pessoa, mas um número; não mais um ser humano, mas simplesmente um dado estatístico.” Não creio, contudo, que possamos deixar de lado a percepção de quem somos nós aos nossos próprios olhos. De vez em quando olho para dentro de mim mesmo e pergunto de novo: quem sou eu? As respostas que construo para essa pergunta é que servirão de corrimão onde me apoiar nas estradas íngremes da vida.
João Batista, o precursor de Cristo, não teve problemas ao se deparar diante do espelho. Quando os sacerdotes e levitas, enviados dos judeus de Jerusalém, o abordaram com essa pergunta – “quem és tu?” – João Batista não titubeou sequer uma vez. O homem simples e rude que aparecera pregando às margens do Jordão já vira seu rosto refletido nas águas turvas do rio, e nelas se contemplara vezes suficientes para dar-lhes uma resposta segura e verdadeira. Confessou e não negou; confessou: Eu não sou o Cristo.
A resposta de João vem na negativa. Interessante. Às vezes é mais fácil explicar aos outros quem somos dizendo quem não somos. É o que ele faz. João responde da seguinte maneira: eu sou o que não sou. “Eu não sou o Cristo”.
Temos nessa declaração do Batista uma questão muito forte a ser compreendida. Embora ele fosse confundido muitas vezes com o Messias por seu jeito de pregar, nunca sofreu ele próprio de “complexo de messianidade”. Esta é, atualmente, uma síndrome muito comum. Complexo de Messias é a doença da qual sofrem aqueles que se julgam imprescindíveis. Abarrotam a lista dos atingidos pais, mães, cônjuges, patrões, líderes espirituais, namorados e todos quantos se julgam assim: indispensáveis. Pessoas assim costumam acreditar quem sem ele o mundo não funcionaria. João não sofria desse mal. Quando trouxeram a ele a notícia de que Jesus, o verdadeiro Messias, estava se tornando mais popular que ele, sua resposta foi: “importa que ele cresça e eu diminua”.
O compromisso de João consigo mesmo era tal que jamais se permitiu travestir-se de outra figura que não fosse a sua própria.
Os fariseus e sacerdotes que queriam talvez por em dúvida tamanha certeza de João insistiram um pouco mais: “Então, quem és, pois? Elias? O profeta? Quem és? Que dizes de ti mesmo?”
Imagino que muitos não saberiam se manter firmes diante dessa sabatina. Pensativos já não seriam capazes de se reconhecerem. Ao olharem para o espelho veriam ali não mais o “eu mesmo” de outrora, mas apenas o espectro estranho de um “outro” qualquer. Assim se define a humanidade. Uns não sabem dizer quem são. Outros mentem para si mesmos. Uns se subestimam; outros se superestimam. Uns tentam se convencer de que são felizes, bem resolvidos emocional, espiritual, social e até mesmo sexualmente; outros preferem o anonimato – suas identidades são secretas até para eles mesmos.
João não luta com seus próprios fantasmas. Sabe quem não é ao mesmo tempo em que sabe quem é.
Finalizo esta reflexão oferecendo àqueles cuja identidade anda gasta ou até mesmo perdida alguns conselhos práticos – não são mandamentos, mas bem que poderiam ser:
Primeiro, jogue fora todo conceito de autocomiseração ou de auto-exaltação.
Segundo, pare de querer ser sempre o outro. Basta ao mundo que Elvis Presley tenha vivido uma vez. Para quê ser “cover”, se posso ser eu mesmo?
Terceiro, aceite o fato de que você é especial para Deus, exatamente por ser totalmente diferente. Não são as fabricações em série de Picasso que valem milhões, mas as obras únicas que ninguém mais possui.
Quarto, lembre-se de que o seu grande e verdadeiro tesouro não é aquele que se pode apalpar, ver e sentir. Seu grande valor habita na sua interioridade. É de lá que jorram os rios de vida que perdurarão inclusive na eternidade.
A partir de hoje não se detenha mais diante do trinômio filosófico que indaga: “quem sou, de onde vim, para onde vou?”. Repita para si mesmo: “sou o que sou, vim de Deus e para Deus irei”.

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